segunda-feira, abril 26, 2010

"SIMPLES DE CORAÇÃO"




 Hoje tive de quebrar o regime de postagens por dois motivos... Primeiro que bateu uma PUTA DEPRÊ por causa das provas (Obrigado pelos conselhos e pelo abraço Fab's) e porque no caminho de volta para casa, encontrei um senhor distinto.
Muito simples, olhar sofrido e até com um traço de insegurança em manter o olhar, mas que não condizia com seu porte respeitável. Sentou-se ao meu lado e puxou conversa (por um momento pensei ser uma infelicidade, não estava no clima de conversar), mas ele viu que eu levava material de Direito no colo (Vade Mecum) e me perguntou em que ano estava.
Quando respondi, ele concorcou com a cabeça e disse com um certo ar de arrependimento: "eu já estive preso sabe? Foi uma besteira de moleque, não sei o que tinha na cabeça, mas sou grato todos os dias pelo que o delegado me falou". Disse que havia crescido em Guarulhos, numa família muito simples, mas de pais rígidos e que havia fugido á regra de sua casa. Com 16 anos, furtou um loja com o comparsa na época (anos 70) para roubar 3 aparelho telefônicos.
Ele disse ter se sentido intocável (com outras palavras claro), se sentiu o cara já que nunca foi indiciado deste crime. Já com 18 anos, tentaram assaltar uma mercearia no centro de São Paulo(um amigo e ele), mas foram interceptados perto da casa de sua família em Guarulhos com as armas e os objetos roubados no carro. Os pais viram boa parte da movimentação e quando seu pai o reconheceu, chegou perto devagar com os olhos marejados e lhe deu um tapa no rosto dizendo "nunca mais"... Virando-lhe as costas.
Já na delegacia, ele disse que o delegado o viu fragilizado (chorando) e sentou ao seu lado para conversar, viu que era apenas um jovem (e convenhamos, anos 70 garanto que eram menos jovens infratores do que hoje) e lhe disse com toda  a calma do mundo:
"É uma pena rapaz, o que você escolheu hoje para a sua vida. 
Se tivesse dito "não" á si mesmo e virado o volante do carro para o outro lado, poderia estar em casa agora sentado ao lado dos seus pais vendo tv. Poderia estar sorrindo com sua família ao invés de conversar comigo com os braços presos nas costas... Você tem duas pernas, dois braços uma cabeça que funciona... Sabe como é grande o desperdício de você ficar enfiado em um buraco sujo com mais 90 ou 100 homens durante anos?
Você desperdiçou sua juventude, porque teve preguiça de querer ser homem, quis tudo muito fácil sem saber que tudo o que você pegou é muito pouco para tudo o que poderia construir."
"Teve preguiça de querer ser homem", vejo nessas palavras uma forte analogia com o ditado do meu pai de que "todos os dias nos são acrescidos novos tijolinhos de responsabilidade no muro da vida", é preciso QUERER esta responsabilidade, este aprendizado para se tornar uma pessoa digna. 
Desistir disso, é desistir de ser você mesmo, é se auto-marginalizar.
O homem continuou me contando que ficou matutando tudo o que poderia ter construido para si mesmo se tivesse ouvido os pais e como lhe coube naquele momento as palavras do Delegado. Disse que soube do irmão virar enfermeiro e da irmã se formar em Direito (disse que nunca soube o que ela chegou a ser, pois os fatos vieram por um conhecido que havia encontrado em Ribeirão Preto posteriormente ao tempo em cárcere) enquanto ele estava preso.
Quando saiu, não teve coragem de procurar os pais... Trabalhou como carregador de bagagens no Terminal rodoviário do Tiete morando de favor em uma casa que alugava quartos para ex-detentos e que soube por um dos rapazes que dividia quarto de alguns trabalhos nas fábricas de sapatos de Franca (em plena expansão na década de 80), veio para cá com cara e coragem, mas trabalhou apenas 7 anos nas fábricas, chegando a ser até a data presente porteiro de um curtume na Lonso y Alonso depois de um período desempregado.
Diz estar casado hoje e que tem dois filhos, um de 24 e outra de 13 anos, a sua esperança.
O filho de 24 é técnico em enfermagem e está trabalhando em Ribeirão Preto, mas o sonho da filha (até agora) é ser Promotora de Justiça, posto do qual ele lhe dá o maior apoio.
Disse que é grato todos os dias ao delegado e ao que ele havia dito, pois ele viu que de fato os anos que esteve preso só lhe fizeram sofrer e perceber como a vida pode passar devagar quando não há coisas difíceis a conquistar... Ele sentiu ter desperdiçado a própria vida, mas que está feliz por viver pelas conquistas dos filhos. Lembra de seu pai todos os dias mas que a vergonha foi tamanha, que nunca voltou a ver sua família e que não sabe quem já pode ter falecido ou não.

Imagino como tudo isso deva lhe pesar todos os dias na cabeça... Mas me admiro que existam pessoas como ele, que ouvem e entendem tamanhos conselhos com humildade, mesmo que tenham vindo com certo atraso pois talvez pudessem ter lhe poupado uns anos desperdiçados que certamente ficarão marcados em sua lembrança.

Não há nada mais precioso do que a gratidão e a humildade... Move montanhas e ameniza feridas.

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