terça-feira, agosto 17, 2010

"TURISMO DE FAVELA"


Fiquei puto com a pobreza enorme que tem o espírito humano.
Estava esta tarde na faculdade para estudar e fui até a sala de informática para redigir alguns documentos... Peguei o Jornal Estado de São Paulo do dia para passar o tempo e me deparei com a matéria "O Turismo não ajuda as favelas" do queniano Kennedy Odede. Vou transcrevê-la aqui, acho que nada mais deve ser falado para explicar porque dá pra se indignar com a pobreza da alma humana:

"O turismo em favela tem uma longa história. Nos anos 1800, nova-iorquinos ricos costumavam andar por Bowery e pelo Lower East Side para ver como a "outra parte" vive. Com as populações hurbanas no mundo em desenvolvimento se expandindo rapidamente, a oportunidade e a demanda para ver a pobreza diretamente nunca foram tão grandes. Os locais mais procurados são o Rio de Janeiro, Mumbai (Índia) graças ao filme Quem quer ser um milionário? e Kibera em Nairóbi (Quênia), maior favela da África e o local onde nasci.
O turismo em favelas tem seus defensores que dizem que ele promove a consciência social e propicia um bom dinheiro - que ajuda as comunidades.
Mas não vale a pena. Esse tipo de turismo transforma a pobreza em entretenimento, uma coisa experimentada momentaneamente e depois esquecida completamente. As pessoas acham que realmente viram alguma coisa, mas seguem suas vidas e vão embora e nos eixam, eu, minha família e minha comunidade da mesma maneira que antes.
Eu tinha 16 anos quenado vi pela primeira vez um grupo de turistas visitando a favela. Estava em minha cas de 9 metros quadrados lavando pratos, olhando para a louça com ansiedade porque não comia havia dois dias. De repente, vi uma mulher branca que me fotografava... Senti-me como um tigre na jaula. Antes que pudesse dizer algo ela já se fora.
os 18 anos fundei uma organização que presta serviços financeiros, desaúde e educação para os moradores de Kibera. Uma cineasta da grécia veio me entrevistar sobre o trabalho que realizamos e quando caminhávamos pelas ruas, passamos por um velho defecando em público. A mulher virou-se ara seu câmera e disse: "ei, olhe aquilo!". Por um momento vi minha casa pelos olhos dela: fezes, ratos, fome, casas tão próximas que não dá pra respirar. Não queria que ela visse isso, não queria dar a ela a oportunidade de julgar minha comunidade apenas pela pobreza.
Outros moradores de Kibera seguiram por outro caminho. Um ex colega de escola começou a trabalhar com turismo e certa vez, o vi entrando em uma casa onde havia uma jovem em trabalho de parto com um grupo de turistas. Eles pararam e olharam para a mulher que gritava... Em seguida, o grupo prosseguiu a visita com as câmeras repletas de imagens da jovem que se contorcia de dor. O que eles aprenderam?
A mulher ganhou alguma coisa da experiência deles?
Para ser justo, muitos estranjeiros vão ás favelas querendo entender a pobreza e partem para casa com o que acreditam ser uma melhor compreensão de nossa miséria. A expectativa, tanto dos visitantes como dos organizadores das visitas é que a experiência possa levar turistas a empreender alguma ação em seu país de origem.
O mais provável porém é que nada ocorra. Afinal, olhar as condições de vida em Kibera é algo desolador.
Imagino que muitos visitantes acham que já foi suficiente ter suportado ver uma tal situação de miséria. Além disso essas pessoas nunca interagem conosco, não há diálogo, apenas alguns comentários ocasionais. O turismo em favela é uma rua de mão única: Eles tiram fotos e nós, perdemos o pouco de dignidade que ainda temos. As favelas jamais desaparecerão por causa de uma dezena de americanos ou europeus que passam por aqui com câmeras na mão... Existe sim solução para nossos problemas, mas elas jamais virão de visitas guiadas".

Kennedy Odede é diretor da Shining Hope for Communities - Organização que presta serviços sociais em Kibera, Quênia.

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