quarta-feira, agosto 26, 2020

 "SOMNIUM"

Crescer é foda né.

Hoje eu ouvi sobre um sonho. Eu também tive sonhos, tenho sonhos. Alguns realizei; outros guardei numa caixinha de "para depois"; Muitos, coloquei nos arquivos dos inalcançáveis assim que entendi como a vida funciona, mas guardo com carinho porque sonhar é sempre bom.

Há mais ou menos quinze anos atrás, me lembro ter uma epifania sobre a importância de "observar e aprender". 

Não só de ouvir mais e falar menos, mas de observar e pensar a fundo sobre as pessoas, e antecipar consequências; Sem querer, bolei uma puta estratégia inteligente!

Vejam, aprendi o seguinte, de forma pétrea:

Do meu avô ter decidido estudar, em ser minucioso e sempre se planejar, por ter corrido um único risco que gerou consequências  que mudaram toda uma vida, de tudo o que deixou de viver e de tudo o que viveu. Comer o pão que o diabo amassou, sobrevivido e colhido alegrias.

Dos meus pais eu vi a escolha de muito cedo se tornarem pais, e tudo do que abdicaram. Comer o pão que o diabo amassou, sobrevivido e colhido alegrias.

De uma irmã, ter estudado, se formado, e tido um filho mais cedo. Comer o pão que o diabo amassou, sobrevivido e colhido alegrias. 

De outra, não ter se formado, ter vestido a cara e coragem, trabalhado, visto o mundo. Comer o pão que o diabo amassou, sobrevivido e colhido alegrias.

Da minha tia, estudado muito, tentado com empenho, esperado com emoção. Comido o pão que o diabo amassou, sobrevivido e colhido alegrias.

Dos meus amigos, já adolescente, inúmeras situações, possibilidades que queria pra mim e não poderia ter, outras que tive mas nunca quis, companheiros que preferi manter, amizades que decidi afastar. 

Aprendizados em decepções e conquistas que muitas vezes me quebraram por dentro; por eles, em sofrer e participar por amor de cada uma dessas fases, e por mim, em escolher abdicar de algo por não querer passar por algo similar, ou em persistir por um sonho similar, mas encontrando uma forma de NÃO traçar o mesmo caminho se pudesse evitar.

Eu aprendi a observar pra sempre prevenir e não ter de remediar. Lógico, não é uma fórmula infalível, mas ajuda muito!

Decidi, e continuo decidindo tudo aquilo que quero pra vida: Quais sonhos eu preferi priorizar, quais resolvi abrir mãos e quais talvez ainda queira encaixar no futuro.

Faz só 5 anos que comecei minha vida independente (financeiramente) de fato... Dá pra acreditar?! Só 5 anos! Não é nada!

Viajar? Prioridade absoluta, com certeza.

Melhor investimento que podemos fazer, bem material investido se perde com o tempo ou se abdica com a velhice. 

Comprar tudo aquilo que SEMPRE tive vontade? Certamente! Mas sempre comedido, afinal, no futuro é muito provável que nada mais disso tenha valor sequer pra mim.

Tem muito tempo pra comprar as coisas, não preciso me endividar e, além do mais, já tenho tudo o que preciso. Se não "tiver" até o fim da vida não tem problema, só troco o sonho de lugar no "arquivo" e deixo pra lá.

Construir um carro com meu pai? Putz, ouvi essa a vida inteira que era um sonho dele, e não me esqueci! 

Mas fazem só 5 anos que comecei a viver sem ter de pedir nada a ninguém e a MINHA prioridade é ver o mundo. Sei que temos tempo de escolher juntos um projeto... De investirmos juntos nisso, né? Afinal, SONHO, não pode ser atropelado, senão, perde o valor e o sentido.

E se não der certo? Bom, tivemos outros tantos bons momentos e experiências, porque só este "sonho" p-r-e-c-i-s-a-v-a ser alcançado? 

Quem sabe um dia ainda possamos tirar uma foto juntos na Disney nos abraçando e sorrindo? É um sonho pra mim, desde 2014.

Filhos? Abdicamos de comum acordo, com certeza. 

Já entendo que por uma série de fatores pessoais, não tenho a estrutura emocional pra ser pai e estou muito bem assim. Neste aspecto acho que "quebrei" demais e nem um "kintsukuroi" resolve.

A frustração em lidar com o sofrimento, em gerenciar esses "sonhos", ou em observar os sofrimentos daqueles que amo e que só posso remediar, era muito mais fácil uns anos atrás, se eu precisasse chorar ou extravasar a frustração... Afinal, eu estava sozinho no quarto escuro, não precisava compartilhar isso com ninguém.

Hoje minha esposa acompanha os efeitos e com certeza os absorve, querendo me acalentar; Que bom poder contar com ela! Mas que desgastante compartilhar esses efeitos já que por um período (ainda que curto) eles me esgotam tanto!  

São efeitos inevitáveis de quem ama, não tem jeito, não dá pra diminui-los... E eu só posso agradecer por eles que me ensinam, e por ela, como companheira, em entendê-los.

Eu entendi, creio eu, o sentido da epifania.

Era pra aprender que não dá pra ensinar ninguém a se "corrigir", ou se antecipar, pensando como eu penso, então, não era pra esperar mudanças de ninguém no decorrer da vida.

Era pra aprender a ME proteger guarnecendo quem não aprendeu a fazer isso, poupando a eles (e a mim) do sofrimento das consequências, mas sempre dentro do possível, ainda que fazendo isso, pareça que as estamos machucando.

Nem sempre ao primeiro olhar uma decisão acertada parece justa, especialmente para aquele a quem recairá diretamente seus efeitos. Nem sempre quem alerta, ou tenta ajudar ou prevenir, parece que está fazendo algo certo ou justo, mas o observador distante muitas vezes têm uma visão muito mais ampla do que o agente diretamente ligado ao evento.

Afinal, concluo que a responsabilidade no círculo familiar é uma rede; é sanguínea, é por apadrinhamento, sempre por afinidade, e puramente pautada no amor.

Por mais que a gente não expresse em palavras, o legado não mente:

Que inteligente, é o amor.

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